O safado usava droga porque queria. Começou bem depois da média da galera com que ele convivia. Passava o dia todo fumando maconha. Não dava mais atenção a nada enquanto dedicava-se à prática de fumar um bom baseado. Gostava e nunca se importou com isso. Quando era adolescente, julgava, tinha levado a vida muito a sério. Passou a maior parte do tempo trabalhando, estudando ou assistindo televisão, graças à falta de opções de cultura. Quando chegou à vida quase adulta - por volta dos 18, garantiu boa profissão procurou deixar alguma coisa guardada. Mas não conseguiu guardar nada. Em compensação ficou com um acúmulo de conhecimentos que muita daquela gente não tinha. Conseguiu enfrentar o desprezo de muita gente. E o preconceito, principalmente. Mas não importou-se. Poderia ser apenas um dos milhares de jovens de classe média, que têm acesso a alguns bens de consumo, inclusive drogas. Empapuçado de drogas, passou observar como funcionava aquela zona cinzenta entre o crime organizado e a vida oficial, apresentada no horário comercial. Filosofava sobre a relação de um mundo com outro. Tentava ver aquilo como um mundo só.
Eles têm poder nas mãos, nos pés, talvez em todos os lugares. Cegava um carro. Piscava os faróis. O primeiro antena respondia com uma lanterna. O carro vinha devagar, o antena dava sinal para entrar à direita. Parava junto aos três vapores posicionados na esquina da pracinha. Perguntavam o que os playboys queriam.
_Negócio é o seguinte, a gente quer cinco papel de vinte.
_Aê, abaixo o farol e dá um pião, mas não volta aqui não. A bica é ali em baixo mas você pode deixar o dinheiro aqui.
_Cê tá loco que eu vou deixar meu dinheiro co´cê?
_Ae mano, aqui o papo é firmeza e num tem trairagem não.
_Então dá meu dinheiro de volta que eu pelo lá em baixo com ele.
_Meu, pára de brigar com o cara que você vai levar um tiro na testa - gritava a menina no banco de trás.
_Ai boy, se não quiser assim, vai pegando seu dinheiro de volta e vai buscar sua farinha em outra briqueira, certo?
Ninguém presta
Lorde quase sempre teve respeito pelos crentes. Até por ter a mãe crente e um primo pastor evangélico. Só não entendia como eles podiam ser tão radicais. Olhavam para ele com expressão de dó. Com uma arrogância insuportável.Como se a leitura metódica da bíblia cristã fosse credencial para falar em nome de deus. E afinal, quem era esse tal deus. Os caras diziam saber tudo o que era deus, como ele se comportava, o que ele achava das coisas. Ele tinha momentos de ódio dos crentes. Pois eles não davam chance. Não abriam as cabeças. Julgavam a tudo e a todos ou se afundavam na hipocrisia, saindo com frases do tipo: "Eu não quero julgar tal pessoa, mas acho que ela...". Aí fazem o julgamento moral do cara. Ou da mina.
Os crentes liam a bíblia, interpretavam as histórias que eram contadas ali e desejavam que fossem aceitas pelas pessoas, pelos não-convertidos, pelos pecadores, pelos perdidos, pelos drogados, pelos prostituídos, pelos sujos, pelos feios, pelos sem honra, pelos errados. Eles é que estavam certos. Tudo estava sendo feito em nome de deus. E a fé era capaz de tudo. Se você não conseguisse fazer alguma é porque não teve fé suficiente. Se é uma criança pobre que já nasceu com problemas criados durante a gravidez talvez de uma mãe que tinha vários problemas também, filha de outros pobres que não puderam dar a atenção devida durante a infância. É claro que se esta criança chegasse aos trinta anos, também com problemas, nunca conseguiria comprar um carro. Nunca conseguiu terminar a faculdade. Nunca conseguiu emprego de executivo, nunca foi empresário, nem nunca foi o comedor do bairro, nunca teve casa própria, nunca foi o tal, enfim, o problema na explicação de muitos crentes é que este cara não teve fé suficiente.
Ele tem que ler a bíblia, ele tem que ir a igreja, aceitar as suas condições e agradecer a deus por estar vivo e saber que tinha tudo que merecia. O problema era a falta de fé. Aliás, falta de rezar. Não, não. Fale orar. Crente não reza. Crente ora. E crente que é crente mesmo tem tudo. Assim que se fala entre os crentes.
Uma parada
_O cara falou que era pra parar mais perto do bar.
_Como parar mais perto?
_É ele me reconheceu , perguntou se eu era amigo do altão.
_Ah, então ele lembrou do Roberto.
_É, hoje ele vendeu e não fez gracinha.
_ Porque outro dia ele tinha e não quis vender pra você, né?
_ É então, hoje ele falou até pra eu parar mais perto do bar.
_ Mas quem falou pra ele que eu quero parar mais perto do bar?
_Pois é, o cara tá achando que eu quero ser amigo dele.
_ Tô fora.
_ Eu também. Eu vim aqui pra comprar droga, não pra ser amigo de traficante. Tô com cara de puxa saco de traficante, é mole?
_ Mas não é por ele ser traficante que eu não quero paro com ele.
_Acho que esse cara que é mala mesmo.
_ É ... Puta mala. Traficante tem que vender ou não vender.
_Não tem que ficar fazendo gracinha. Essas paradas de passa daqui quinze minutinhos.
_ Por isso que o povo denuncia. O povo vai na boca para buscar drogas e os traficantes ficam com monte de história boba, ai quem vai lá e não consegue pegar acho que é quem acaba denunciadndo, não acha?
_ Nem tanto vai. Aliás, esqueci de falar ...
_ Esquecer de falar?
_ Que não é pra parar o carro onde a gente parou que mora uma Guarda Municipal ali. Acha? O guarda mora do lado biqueira. Deve ser patrão, né?
_ Nossa! Mas então tem um Guarda Municipal morando ali?
_ É. Por isso que ele falou pra gente parar mais perto do bar.
_Um dia a gente pára.
_Pára de usar droga ou para do lado do traficante?
Os dois seguiram no carro até a cidade vizinha. Tinham cocaína e maconha no carro. Ela foi contando ao rapaz sobre o seu trabalho de modelo. Sobre as cabecinhas das colegas e dos valores que as pessoas de seu meio profissional atribuíam ao mundo. Da tendência, por parte de pai, para que ela tivesse o nível de vida que tinha. Da independência de viver sozinha num grande centro urbano e os desafios de levar uma vida regrada para não ficar gorda, nem cheia de rugas, nem de olheiras. Disse que tinha que de alimentar-se mais de de frutas, legumes, verduras. E carne, só comeria carne de peixe. Lorde, passando ao lado do córrego que cortava o Parque Ecológico, ficou pensado nas famílias que passaram o dia pescando e na qualidade do alimento que levavam para a casa. Tirou o isqueiro do bolso e pôs fogo no baseado.
Hora de parar. Hora de parar de usar droga ou de parar mais perto das biqueiras. Parar de usar que tipo de droga. Como será que é isso. Parar de usar cocaína e parar de estar entorpecido por uma programação ruim na televisão. Parar de fumar pedra ou parar de fazer sexo de qualquer jeito, sem proteção. Parar de fumar pedra ou parar de usar a bíblia como escudo até contra o amor. Parar de fumar em mega ou parar de viver o mundo das novelas e dos comerciais de televisão. Parar de fumar um mesclado ou p-arar de comer demais para saciar o nervosismo. Parar de fumar maconha que fa relaxar pra dormir, que abre o apetite do doente, que diverte o dependente químico ou parar de fumar cigarro que não dá barato. Parar de fumar cigarro que relaxa e gera emprego, ou parar de usar cocaína para fugir da realidade. Parar de cheirar pra ficar sem sono e falar pra caraio ou parar de injetar usando agulhas dos outros. Parar de injetar ou usar agulhar e seringas limpas que ninguém ainda usou, depois jogar fora pra ninguém usar mais. Parar de injetar ou parar de roubar dinheiro público. Parar de beber, fumar, cheirar, injetar, trepar ou parar de ser hipócrita. Parar de ser hipócrita ou parar de vacilar.
A escola da rua talvez seja a única onde dá pra fazer um processo seletivo, de quem pode ou não pode. Quem for reprovado, pode ficar definitivamente impedido de realizar qualquer tarefa. E a dúvida, dentro da cabeça. Martelando o cérebro, correndo o corpo em cada partícula do sangue que caminha pelos vasos. A dúvida caminha por ali, por dentro das veias, olhando as paredes reparando em cada pedacinho de tranqueira enroscada, pelos labirintos de artérias e cada gordura crescida no lugar errado, cada maionese a mais no carrinho de cachorro quente da esquina, resto de cocaína, de ácido lisérgico, tudo alojado por ali no meio de tanta adrenalina, de tantos hormônios, de tantos desejos sem cura de sentimentos importante, de proteínas raras, de combinações químicas homeopáticas, de doses exatas e de quantidades exageradas, de abusos, de uso de remédios estranhos, que corpos cavernosos, de micro-organismos e vida, que não sabe até onde vai chegar. Talvez só até a esquina. Resolveram parar mais perto da biqueira, descer, e, novamente, comprar mais uma porção de cocaína.
_Leva um galo, véi! (Um galo neste caso não é um galináceo). De ... de ... (O cara enrolava e não desembuchava) Eu quero uma ...(Mas não que seja ruim a ideia de um risoto) ... Não, eu acho que eu quero duas (Tá certo que bandido que é bandido quer mesmo é churrasco, só a carne, só. Só a carne já era a festa para quem não teve tanta proteína na infância) ... de cinquenta mas acho que eu...
_Cê tem, sim!
_Quem te disse que eu tenho?
_ Eu sei que você tem vai, porra!. O cara tá esperando. Isso aqui é uma biqueira, não dá pra gente ficar a noite inteira por aqui.
_ Para de gritar comigo. Pega essa bosta de dinheiro.
_Calma ae galera, eu sei que vocês estão meio acelerados, mas eu não tenho nada com isso. Aliás, a dama aceita uma flor?
A praça
Uma festa tradicional acontecia todos os anos na praça em torno da Igreja Matriz. Era a quermesse tradicional. As das outras igrejas sequer eram consideradas . Festa mesmo era aquela ali. Afinal, se a arrecadação divulgada, no mês seguinte, nos jornais, sempre dava conta de uma grande arrecadação. Era como se realmente todos os religiosos tivessem comprado muita pizza, muito chopp e jogado muito bingo nos quatro fins de semana da festa. O dinheiro, durante o resto do ano, seria suficiente para pagar as contas da casa do sacerdote, oficialmente ao lado do templo, as despesas com a própria programação religiosa, obras assistenciais, publicidade às campanhas litúrgicas e sociais, gastos com o templo, com a reforma, por exemplo. O problema é o dinheiro, apesar da diversidade religiosa, usado para a reforma daquele templo específico, tinha saído dos cofres públicos, sem que as pessoas que apreciavam o belo prédio da prefeitura, em meio ao verde e aos espelhos d´água soubessem que, independente de sua religião, crença ou tradição, estavam pagando os gastos com a obra daquele templo imenso. Até aí, não seria má ideia, considerado que a igreja era um prédio histórico, foi erguido há dezenas de anos e representava um tempo em que a Igreja e o Estado viviam muito juntos, sob a proteção da lei nacional.Mas isso não foi só no passado. Hoje as decisões também passsam por outros templos, alguns prédios compostos de concreto, mármore e granito, cujos vitrais da igreja deram lugar aos discretos vidros fumê. A quermesse, cuja arrecadação era superestimada, parecia mais um churrasco entre amigos, dado que estavam lá as principais autoridades municipais, públicas e privadas. Prefeito, vereadores, promotores, juiz, todos ali sob as bençãos de um sacerdote irônico e já um tnato bêbado, que olhava sobre a armação dos óculos pretos, com aparente desdém, a massa de pizza graciosamente manuseada pela filha da beata, a massa do pastel, violentamente manuseada pelo filho do importante colaborador da igreja e a massa humana, de olhos arregalados sobre os comes e bebes espalhados pela longa mesa das autoridades, estes sim, declaradamente alcoolizados e devidamente saciados na fome de comida. Se ele pensava em distâncias, como as que separavam os moleques correndo junto aos cachorros por mentre as pernas dos quermesseiros, em busca de restos, talvez pensasse na distância que separava a arrecadação verdadeira daquele quermesse, como em anos anteriores, e a pequena quantia que realmente arrecada. Pensava também na lavanderia comunitária que as jovens mães assistidas pela igreja e na grande lavanderia de dinheiro sujo em que instituições são transformadas. "E essa bosta de festinha vai pagar viagem para o Vaticano. Esse povo tem de ser muito burro mesmo para acreditar numa estória dessas", pensava o sacerdote, enquanto acendia o seu cigarro brasa do cigarro do garoto que lhe perguntava:
A igreja
Muitas vezes o refúgio do bandido era a igreja dos crentes. Melhor ainda numa igreja pentecostal, em meio aos gritos, louvores e todo aquele ritual, desencadeado por aquelas pessoas, pobres, magras, cansadas, umas tristes, outras esperançosas, umas com roupas bonitas, outras sujas, outras com pouca roupa, até. No meio delas, o bandido era um como elas.
O bandido é um como elas. Como as pessoas fracas, chatas, mentirosas, brancas, ricas, sorridentes ou fortes, simpáticas, sinceras, negras, pobres, chorando. A ordem não importa, neste caso. Mas colocaram muito dinheiro na bacia de plástico que o obreiro passava durante o culto.
Só no final, quando Marquinhos mostrou sua nova ferramenta e pediu, sorrindo, o dinheiro da bacia. Abasteceram a camionete, pegaram o frentista, e deixaram o pastor perto da casa dele. No dia seguinte não teria culto. Nem tráfico. Todos iam para a praia. Menos o pastor, que, para para fazer o culto da terça-feira, deixou que os meninos da rua levassem o dinheiro para o caixa do posto. Religiosamente cúmplices.
A igreja continua sendo o mesmo lugar seguro de sempre. E o pastor pode continuar ali, na rua da escola, com sua igreja levando a palavra de deus. O tráfico convive com tudo. As igrejas convivem com tudo. Tudo convive com o tráfico. Tudo convive com as igrejas. Tudo convive com o incômodo. Por quanto tempo?
O bandido é um como elas. Como as pessoas fracas, chatas, mentirosas, brancas, ricas, sorridentes ou fortes, simpáticas, sinceras, negras, pobres, chorando. A ordem não importa, neste caso. Mas colocaram muito dinheiro na bacia de plástico que o obreiro passava durante o culto.
Só no final, quando Marquinhos mostrou sua nova ferramenta e pediu, sorrindo, o dinheiro da bacia. Abasteceram a camionete, pegaram o frentista, e deixaram o pastor perto da casa dele. No dia seguinte não teria culto. Nem tráfico. Todos iam para a praia. Menos o pastor, que, para para fazer o culto da terça-feira, deixou que os meninos da rua levassem o dinheiro para o caixa do posto. Religiosamente cúmplices.
A igreja continua sendo o mesmo lugar seguro de sempre. E o pastor pode continuar ali, na rua da escola, com sua igreja levando a palavra de deus. O tráfico convive com tudo. As igrejas convivem com tudo. Tudo convive com o tráfico. Tudo convive com as igrejas. Tudo convive com o incômodo. Por quanto tempo?
História
Era uma vez um continente inteirinho para fora dos mapas ocidentais. Um paraíso de índias e índios correndo pelados no mato. Aí chegaram os padres fazendo missas, trouxeram as roupas e alguém começou atirar e matar índios, tribos, aldeias, civilizações inteiras. Quando eles chegaram no alto da montanha, viram que, para além da montanha, como já imaginavam, havia uma cordilheira.
Avançaram para o alto da cordilheira. Depois de lá, só descer.
O sacerdote era um homem dentro da caverna, entrada no meio das pedras e de algum tipo de palha que bloqueava a entrada completa de luzes por ali. Até de dia, lá dentro parecia noite. A boca da caverna era alta. Uma grande entrada. Como uma boca que engolia ali o orgulho mais alto dos conquistadores europeus. Eles chegaram detonados. Davam a vida para buscar algo mais. Já não bastava todo o ouro conquistado e levado. Agora era um suposto ouro branco que buscavam. Possuídos pela maior ganância jamais imaginada. Daí a contradição e confusão. Em que ponto haviam chegado. Acima dali somente o céu. E se dentro da caverna encontrassem algum caminho, eram capazes de ir à procura. Mas o que foi apresentado a eles, nunca mais abandonaria aquilo que até ali eles consideravam tudo o que tinham vivido. "O ouro branco vai pra dentro de você". Era a frase do sacerdote, nesta altura, com uma cara estranha, de quem olha descrente de você vai acreditar naquilo que ele mesmo está dizendo, tamanha sua incompreensão sobre como é fácil acreditar.
Mas fácil acreditar na mentira_mentira!_mais fácil era perceber a verdade. Estavam há dias andando no meio de pedras, passando frio, com medo de ataques de surpresa _por mais que já se considerassem os senhores supremos do novo território já conquistado_ a futura América Latina reservava surpresas para os jovens burgueses descendentes de europeus, até os dias de hoje, no caso esse híbrido de séculos que se arranha sob título de século 21, suplantados pela nóia, preguiça e desânimo. Pobre. Haja cabeça pra aguentar o passar do efeito de uma droga forte e antidepressiva diante do falso moralismo de um pregador. Mas a liberdade vai daí ao encontro daquele mesmo pensamento que ele imaginava alimentar com relação a seu comportamento diferente. Olha só o resultado: Perdido e decepcionado, o moleque agora pensava que era ele quem estava errado. Perigoso pensar. Pensar parece privilégio. Filosofia é luxo. O que vale é o relógio no topo da torre da igreja, batendo as horas, bem alto, pra mostrar quem é que manda.
_e não era à toa que o lugar tivesse um nome que remete a um lugar alto, como Altiplano. Nem era só ele, mas muitos espanhóis. Sim isso é um jeito meio tonto de contar essas coisas, até porque tem muita gente prestando atenção no que eu faço. Noa naquilo que eles mesmos chamam de produto, mas no jeito como eu faço as coisas. Como o jeito de comer. Ninguém me deixa à vontade.
E essa era também a ideia da ânsia que esperava do outro lado da parede, pela hora de dormir. O filme que o Lorde assistia, aos poucos ia misturando-se com seu sonho, como uma ficção em exercício de quantas realidades poderiam vir dali pela frente. Só uma delas dava medo. A de se entregar a um vácuo e funcionar como uma peça.
Não. Ninguém é peça do jogo de xadrez de ninguém. É que até na nóia do submundo ou de como quer que os intelectuais da universidade chamassem, até se form mesmo um submundo, um mundo abaixo dos outros é um mundo em que tem algum tipo sentimento. Daí os exageros. Era um saco a vida naquela casa. De um lado a mediocridade do consumismo idiota e do outro o uso mentiroso da religião. O lar daquela família parecia uma árvore que estava sendo sugada por um parasita em cada uma de suas pontas. Um que come as folhas e galhos mais bonitos e outro tipo de verme que suja a planta pela raiz. Extremos de um pastor levantando o cajado para o rebanho e de outro o rala e rola dos sarados da novela. Os livros na estante e o olhar de culpa do sobrinho estressado. A arte às vezes é uma companheira até cruel. Traz cada tipo de manifestação do consciente e do inconsciente. Por isso. Porque é uma delícia dançar e cantar com liberdade, liberdade da hipocrisia, não liberdade das responsabilidades, essas sim, compromisso de respeito ao jeito de cada um de seus limites. E a pergunta que não queria calar, perseguia das unhas encravadas do pés, até o cabelo mais arrepiado: Parar mais perto da biqueira ou parar de usar.
_Canalhas. Queria eu manipular as leis pra que o povo tocasse os tambores também.
Até a ideia de divisão do tempo dava tédio. Com razão.
Avançaram para o alto da cordilheira. Depois de lá, só descer.
O sacerdote era um homem dentro da caverna, entrada no meio das pedras e de algum tipo de palha que bloqueava a entrada completa de luzes por ali. Até de dia, lá dentro parecia noite. A boca da caverna era alta. Uma grande entrada. Como uma boca que engolia ali o orgulho mais alto dos conquistadores europeus. Eles chegaram detonados. Davam a vida para buscar algo mais. Já não bastava todo o ouro conquistado e levado. Agora era um suposto ouro branco que buscavam. Possuídos pela maior ganância jamais imaginada. Daí a contradição e confusão. Em que ponto haviam chegado. Acima dali somente o céu. E se dentro da caverna encontrassem algum caminho, eram capazes de ir à procura. Mas o que foi apresentado a eles, nunca mais abandonaria aquilo que até ali eles consideravam tudo o que tinham vivido. "O ouro branco vai pra dentro de você". Era a frase do sacerdote, nesta altura, com uma cara estranha, de quem olha descrente de você vai acreditar naquilo que ele mesmo está dizendo, tamanha sua incompreensão sobre como é fácil acreditar.
Mas fácil acreditar na mentira_mentira!_mais fácil era perceber a verdade. Estavam há dias andando no meio de pedras, passando frio, com medo de ataques de surpresa _por mais que já se considerassem os senhores supremos do novo território já conquistado_ a futura América Latina reservava surpresas para os jovens burgueses descendentes de europeus, até os dias de hoje, no caso esse híbrido de séculos que se arranha sob título de século 21, suplantados pela nóia, preguiça e desânimo. Pobre. Haja cabeça pra aguentar o passar do efeito de uma droga forte e antidepressiva diante do falso moralismo de um pregador. Mas a liberdade vai daí ao encontro daquele mesmo pensamento que ele imaginava alimentar com relação a seu comportamento diferente. Olha só o resultado: Perdido e decepcionado, o moleque agora pensava que era ele quem estava errado. Perigoso pensar. Pensar parece privilégio. Filosofia é luxo. O que vale é o relógio no topo da torre da igreja, batendo as horas, bem alto, pra mostrar quem é que manda.
_e não era à toa que o lugar tivesse um nome que remete a um lugar alto, como Altiplano. Nem era só ele, mas muitos espanhóis. Sim isso é um jeito meio tonto de contar essas coisas, até porque tem muita gente prestando atenção no que eu faço. Noa naquilo que eles mesmos chamam de produto, mas no jeito como eu faço as coisas. Como o jeito de comer. Ninguém me deixa à vontade.
E essa era também a ideia da ânsia que esperava do outro lado da parede, pela hora de dormir. O filme que o Lorde assistia, aos poucos ia misturando-se com seu sonho, como uma ficção em exercício de quantas realidades poderiam vir dali pela frente. Só uma delas dava medo. A de se entregar a um vácuo e funcionar como uma peça.
Não. Ninguém é peça do jogo de xadrez de ninguém. É que até na nóia do submundo ou de como quer que os intelectuais da universidade chamassem, até se form mesmo um submundo, um mundo abaixo dos outros é um mundo em que tem algum tipo sentimento. Daí os exageros. Era um saco a vida naquela casa. De um lado a mediocridade do consumismo idiota e do outro o uso mentiroso da religião. O lar daquela família parecia uma árvore que estava sendo sugada por um parasita em cada uma de suas pontas. Um que come as folhas e galhos mais bonitos e outro tipo de verme que suja a planta pela raiz. Extremos de um pastor levantando o cajado para o rebanho e de outro o rala e rola dos sarados da novela. Os livros na estante e o olhar de culpa do sobrinho estressado. A arte às vezes é uma companheira até cruel. Traz cada tipo de manifestação do consciente e do inconsciente. Por isso. Porque é uma delícia dançar e cantar com liberdade, liberdade da hipocrisia, não liberdade das responsabilidades, essas sim, compromisso de respeito ao jeito de cada um de seus limites. E a pergunta que não queria calar, perseguia das unhas encravadas do pés, até o cabelo mais arrepiado: Parar mais perto da biqueira ou parar de usar.
_Canalhas. Queria eu manipular as leis pra que o povo tocasse os tambores também.
Até a ideia de divisão do tempo dava tédio. Com razão.
Parede Meia
_Você deixou o despertador ligado.
_...ã?
_Ai que bosta, é o despertador do vizinho.
_...
_Você tá ouvindo?
_Não...
_Como que você não tá ouvindo, é ...
_Que foi?
_Ai desculpa, é que eu acordei há horas com esse maldito despertador do vizinho ...
_Meu, você tá fazendo reunião de condomínio numa tarde de domingo ...
_Não, é que eu precisava falar, com alguém, eu tô fritando...
_Cê tá numas ainda. Dorme.
_Mas eu não consigo dormir com o barulho do despertador.
_...
_ Cê me entende, né?
_Não, eu não entendo, mas eu também quero ficar em paz...
_Ah que merda! Esse aí acha que pode ter cachorro latindo o dia todo na frente da minha casa, na frente da janela do meu quarto. Depois falam aí que é nos cortiços que tem baixaria, que isso, que aquilo e aquilo... Ah meu, que bosta! A gente tem que fazer reunião de condomínio e nem mora no condomínio....
_...ã?
_Ai que bosta, é o despertador do vizinho.
_...
_Você tá ouvindo?
_Não...
_Como que você não tá ouvindo, é ...
_Que foi?
_Ai desculpa, é que eu acordei há horas com esse maldito despertador do vizinho ...
_Meu, você tá fazendo reunião de condomínio numa tarde de domingo ...
_Não, é que eu precisava falar, com alguém, eu tô fritando...
_Cê tá numas ainda. Dorme.
_Mas eu não consigo dormir com o barulho do despertador.
_...
_ Cê me entende, né?
_Não, eu não entendo, mas eu também quero ficar em paz...
_Ah que merda! Esse aí acha que pode ter cachorro latindo o dia todo na frente da minha casa, na frente da janela do meu quarto. Depois falam aí que é nos cortiços que tem baixaria, que isso, que aquilo e aquilo... Ah meu, que bosta! A gente tem que fazer reunião de condomínio e nem mora no condomínio....
MG
_Pode encher o tanque.
_Álcool?
_É bi.
_Não, sou hétero.
_Não, não, o carro é bicombustível, mas você é flex, não? Alô?
_Onde você está?
_No posto, vou explicar tudo aqui...
_Cê tá louca?
_Não, querido.
_Alô? Como?
_Acho que não estou louca, não. Só tô atendendo o celular no posto de gasolina, mas tudo bem.
_Ah, vem logo. Cê tá atrasada. São sete horas!
_E a que hora você vem pra cá?
_Relaxa!
_Olha, sou vendedora de antiguidades. Se você precisar, este é o meu cartão.
_Ah ... Sim, senhora.
_Pode ligar quando quiser.
_Obrigado se...
_Mas quando quiser mesmo!
_Ah, sim, ... em breve.
_Espero.
_Obrigado pela preferência por nossos serviços e volte sempre ....
Quem anda no carro de Vânia, no banco traseiro do automóvel, tem a companhia de uma caixa de ovos. Ela é levada sobre o porta-malas. Atrás do banco de trás. Um termômetro. Ela sempre vai de olho no ovos. É como se olhasse direto para o conteúdo do porta-malas. Peças de valores elevados e muito sensíveis. Podem quebrar como ovos.
_Estamos pisando em ovos novamente.
_Minha cabeça não aguenta mais...
_ É mesmo?
_Pelo menos não aguentava antigamente.
_Cê não consegue mais resolver problemas, olha só, como apesar de tudo, a gente sempre consegue segurar a nossa onda.
_Isso que aconteceu agora vai...
_Isso que aconteceu agora estava planejado, e ter dado certo é o mínimo que podia acontecer.
_Ah que droga, você não me deixa comemorar nada, não?
_Desculpa. Quero dizer: Desculpas o caralho! Olha só. Estou quase vacilando novamente.
_Relaxa cara. Agora é diferente. O que estou comemorando é que a gente vai ganhar um fôlego...
_...
_Ah, é só um champanhe no...
_Olha, começa assim e logo a gente vai começar por câmeras dentro das casas das pessoas e essas pessoas vão nos odiar, sabe? Pois elas já odeiam por muito menos, quero dizer: Por muito menos.
_Álcool?
_É bi.
_Não, sou hétero.
_Não, não, o carro é bicombustível, mas você é flex, não? Alô?
_Onde você está?
_No posto, vou explicar tudo aqui...
_Cê tá louca?
_Não, querido.
_Alô? Como?
_Acho que não estou louca, não. Só tô atendendo o celular no posto de gasolina, mas tudo bem.
_Ah, vem logo. Cê tá atrasada. São sete horas!
_E a que hora você vem pra cá?
_Relaxa!
_Olha, sou vendedora de antiguidades. Se você precisar, este é o meu cartão.
_Ah ... Sim, senhora.
_Pode ligar quando quiser.
_Obrigado se...
_Mas quando quiser mesmo!
_Ah, sim, ... em breve.
_Espero.
_Obrigado pela preferência por nossos serviços e volte sempre ....
Quem anda no carro de Vânia, no banco traseiro do automóvel, tem a companhia de uma caixa de ovos. Ela é levada sobre o porta-malas. Atrás do banco de trás. Um termômetro. Ela sempre vai de olho no ovos. É como se olhasse direto para o conteúdo do porta-malas. Peças de valores elevados e muito sensíveis. Podem quebrar como ovos.
_Estamos pisando em ovos novamente.
_Minha cabeça não aguenta mais...
_ É mesmo?
_Pelo menos não aguentava antigamente.
_Cê não consegue mais resolver problemas, olha só, como apesar de tudo, a gente sempre consegue segurar a nossa onda.
_Isso que aconteceu agora vai...
_Isso que aconteceu agora estava planejado, e ter dado certo é o mínimo que podia acontecer.
_Ah que droga, você não me deixa comemorar nada, não?
_Desculpa. Quero dizer: Desculpas o caralho! Olha só. Estou quase vacilando novamente.
_Relaxa cara. Agora é diferente. O que estou comemorando é que a gente vai ganhar um fôlego...
_...
_Ah, é só um champanhe no...
_Olha, começa assim e logo a gente vai começar por câmeras dentro das casas das pessoas e essas pessoas vão nos odiar, sabe? Pois elas já odeiam por muito menos, quero dizer: Por muito menos.
Segunda parte - Na praia, domingo à noite
_Oi. Chegamos.
_Vou buscá-los. Onde estão? Próximo ao guichê?
_Não, cê vai ver, logo que sai da rodoviária tem uns orelhões ao lado de uma lanchonete. Tá bem agitado aqui, vem logo, tá? Mas e aí, como é que estão as coisas?
_ Tudo ótrimo. Tem uma galera aqui. Ai tem tanta coisa pra ver, mil coisas.
_Então vem logo que ...
_Ai, é só o tempo de chegar aí, eu acho ... Uns vinte minutos eu tô aí, fica onde tenha luz ...
_ Não, não, tranquilo, eu espero.
_Um vazo Ming. Dinastia Ming, quem diria?
_Disnastia Ming, quem diria? Você sabe o que é isso?
_Ah....
_"Ah" não! A dinastia Ming foi um período da história da China...
_ Ai a China! Essa bosta desse vazo fez eu perder uma prova esta semana. Que bosta eu cheguei atrasada na aula e o professor falou que ia me dar a prova. Cê tem noção? Mas ele é lindo, não é?
_Lindo, caro e único.
_Como a minha prova, que eu perdi.
_Feliz no jogo ...
_Ah, "feliz no jogo" a porra! Já era pra essa grana tá comigo há duas semanas, querido. Mas tudo resolvido, agora. Temos muito a dizer, não?
_ Claro.
_ Como que estão as coisas, heim?
Ela ajeitou a saia, passou as mãos pelos cabelos e sorriu. Uma estrutura de madeira, com encaixes de isopor e o vaso enrolado em metros de plástico bolha. A dimensão da embalagem era quase a do porta-malas. Mas era uma vaso Ming.
_Está nas mãos da Justiça.
_É.
_Preciso que me explique melhor.
_ Fica nas mãos da Justiça pois são, não sei explicar isso muito bem, mas no final são decisões da Justiça, mas muito restrita, a decisão, acho que é isso, então os deputados, os presidentes, prefeitos, governadores, não é, eles ficam num processo que este que a gente vê mais, é mais assim...
_Mas é o juiz que cassa, não é?
_Não, o juiz manda prender e outro tenta, se der, livrar, mas aí um promotor, aliás, promotores são uma coisa, aí tem as agências, agências reguladoras, empreiteiras, empresas e essas coisas todas que a gente tá cansado de saber, a chuva no molhado, o talvez, a punhetação, os seminários, que são coisas boas mas não quando só em torno delas. A coisa é muito restrita...
_Acho que no final a gente fica sabendo de muito pouco mesmo do que acontece, ali, dos detalhes sórdidos, dos motivos, das entrelinhas...
_ E não há muito como saber disso, não é?
_ E isso dá, ao mesmo tempo, essa angústia na gente.
_Porque?
_É um sem-saída, sem perspectiva... não acredito em mais nada!
_Credo que coisa mais deprê, que pobreza essa fala....
_ Que crueldade essa observação... Eu conto aqui as minhas entranhas e você... Cê tá certo, não é?
_ O pior é ter que ouvir isso... Vai achando que eu estou certo e pior ainda: Eu fico sem ninguém pra me corrigir se eu estiver vacilando de novo.
_Ah, mas é isso. Vou dizer o que?
_Não diga nada ... Ah, sei lá, dá um pião ...
_Vamos fazer coisas né?
_Ah então vamos. Vamos rastrear esse dinheiro todo Aì?
_Eu disse coisas práticas ... Você tem um humor horrível ...
_Sabia que os caras nas prisões eles precisam viver lá dentro?
_Ah, tá ...
_ É isso mesmo. Até lá dentro tem dentro. É preciso viver.
_Cê sabe que às vezes eu acho que eu vou pra cadeia. Sabe, não é só ser detido. É prisão mesmo.
_Então eu acho que a ideia de que no meio de tudo isso tem gente, né?
_Ai que discurso...
_É um discurso.
_Mas e você não vê uma luz, não?
_Vejo sim. Eu vejo muita luz.
_Que tal me contar?
_Acho que é você que tem que me contar, não?
_Contar o que?
_Contar sobre a luz no fundo do túnel.
_É chato falar sobre isso.
_Enjoa?
_Cansa.
_ Não deprime?
_ Mata, até!
_Então, mas fácil mudar de assunto. Não é? Melhor fazer a grande revelação: "A senha é..."
_Finalmente o momento tão esperado...
_Sim, a senha: Sabe quem foi?
_Foi ...
_Foi?
_Todo mundo sabe.
_Espera aí, do que cê tá falando?
_De quem mandou fazer...
_Fala logo!
_Todo mundo sabe. E logo eu que vou ter que falar. Então tá bom. É isso. Foi exatamente isso. E agora?
_Vamos fazer alguma coisa.
_O que?
_Tudo que não fizemos até agora.
_É?
_Próxima.
_Próximas, né?
_Qual é a próxima?
_Acabou o cigarro.
_Não, isso não, tô falando da próxima, da prõxima!
_ Ah, então vamos lá. Tem algumas pessoas que podem fazer coisas que algumas pessoas não podem. Mas os motivos de uns poderem e outros não são diferentes, certo?
_ Certo?
_ Então eu posso muitas coisas e você, pelo que sei, também, não é?
_Ah sim. É tudo mais fácil de entender agora. Ninguém decide assaltar a Casa da Moeda e toma um ônibus e vai lá, rende o vigia, sei lá, entra, rouba, leva e, pronto, sumiu, roubaram.
_As coisas são planejadas.
_ E ...
_ E?
_Eu tenho provas na faculdade pra fazer e você tem contas a prestar...
_Cê já ouviu uma música de um grupo de rock, que fala assim: "Eu, você, a vadia, ninguém presta"?
_ Mas...
_Mas não ...
_Mas não é a ...
_...regra.
_Vou buscá-los. Onde estão? Próximo ao guichê?
_Não, cê vai ver, logo que sai da rodoviária tem uns orelhões ao lado de uma lanchonete. Tá bem agitado aqui, vem logo, tá? Mas e aí, como é que estão as coisas?
_ Tudo ótrimo. Tem uma galera aqui. Ai tem tanta coisa pra ver, mil coisas.
_Então vem logo que ...
_Ai, é só o tempo de chegar aí, eu acho ... Uns vinte minutos eu tô aí, fica onde tenha luz ...
_ Não, não, tranquilo, eu espero.
_Um vazo Ming. Dinastia Ming, quem diria?
_Disnastia Ming, quem diria? Você sabe o que é isso?
_Ah....
_"Ah" não! A dinastia Ming foi um período da história da China...
_ Ai a China! Essa bosta desse vazo fez eu perder uma prova esta semana. Que bosta eu cheguei atrasada na aula e o professor falou que ia me dar a prova. Cê tem noção? Mas ele é lindo, não é?
_Lindo, caro e único.
_Como a minha prova, que eu perdi.
_Feliz no jogo ...
_Ah, "feliz no jogo" a porra! Já era pra essa grana tá comigo há duas semanas, querido. Mas tudo resolvido, agora. Temos muito a dizer, não?
_ Claro.
_ Como que estão as coisas, heim?
Ela ajeitou a saia, passou as mãos pelos cabelos e sorriu. Uma estrutura de madeira, com encaixes de isopor e o vaso enrolado em metros de plástico bolha. A dimensão da embalagem era quase a do porta-malas. Mas era uma vaso Ming.
_Está nas mãos da Justiça.
_É.
_Preciso que me explique melhor.
_ Fica nas mãos da Justiça pois são, não sei explicar isso muito bem, mas no final são decisões da Justiça, mas muito restrita, a decisão, acho que é isso, então os deputados, os presidentes, prefeitos, governadores, não é, eles ficam num processo que este que a gente vê mais, é mais assim...
_Mas é o juiz que cassa, não é?
_Não, o juiz manda prender e outro tenta, se der, livrar, mas aí um promotor, aliás, promotores são uma coisa, aí tem as agências, agências reguladoras, empreiteiras, empresas e essas coisas todas que a gente tá cansado de saber, a chuva no molhado, o talvez, a punhetação, os seminários, que são coisas boas mas não quando só em torno delas. A coisa é muito restrita...
_Acho que no final a gente fica sabendo de muito pouco mesmo do que acontece, ali, dos detalhes sórdidos, dos motivos, das entrelinhas...
_ E não há muito como saber disso, não é?
_ E isso dá, ao mesmo tempo, essa angústia na gente.
_Porque?
_É um sem-saída, sem perspectiva... não acredito em mais nada!
_Credo que coisa mais deprê, que pobreza essa fala....
_ Que crueldade essa observação... Eu conto aqui as minhas entranhas e você... Cê tá certo, não é?
_ O pior é ter que ouvir isso... Vai achando que eu estou certo e pior ainda: Eu fico sem ninguém pra me corrigir se eu estiver vacilando de novo.
_Ah, mas é isso. Vou dizer o que?
_Não diga nada ... Ah, sei lá, dá um pião ...
_Vamos fazer coisas né?
_Ah então vamos. Vamos rastrear esse dinheiro todo Aì?
_Eu disse coisas práticas ... Você tem um humor horrível ...
_Sabia que os caras nas prisões eles precisam viver lá dentro?
_Ah, tá ...
_ É isso mesmo. Até lá dentro tem dentro. É preciso viver.
_Cê sabe que às vezes eu acho que eu vou pra cadeia. Sabe, não é só ser detido. É prisão mesmo.
_Então eu acho que a ideia de que no meio de tudo isso tem gente, né?
_Ai que discurso...
_É um discurso.
_Mas e você não vê uma luz, não?
_Vejo sim. Eu vejo muita luz.
_Que tal me contar?
_Acho que é você que tem que me contar, não?
_Contar o que?
_Contar sobre a luz no fundo do túnel.
_É chato falar sobre isso.
_Enjoa?
_Cansa.
_ Não deprime?
_ Mata, até!
_Então, mas fácil mudar de assunto. Não é? Melhor fazer a grande revelação: "A senha é..."
_Finalmente o momento tão esperado...
_Sim, a senha: Sabe quem foi?
_Foi ...
_Foi?
_Todo mundo sabe.
_Espera aí, do que cê tá falando?
_De quem mandou fazer...
_Fala logo!
_Todo mundo sabe. E logo eu que vou ter que falar. Então tá bom. É isso. Foi exatamente isso. E agora?
_Vamos fazer alguma coisa.
_O que?
_Tudo que não fizemos até agora.
_É?
_Próxima.
_Próximas, né?
_Qual é a próxima?
_Acabou o cigarro.
_Não, isso não, tô falando da próxima, da prõxima!
_ Ah, então vamos lá. Tem algumas pessoas que podem fazer coisas que algumas pessoas não podem. Mas os motivos de uns poderem e outros não são diferentes, certo?
_ Certo?
_ Então eu posso muitas coisas e você, pelo que sei, também, não é?
_Ah sim. É tudo mais fácil de entender agora. Ninguém decide assaltar a Casa da Moeda e toma um ônibus e vai lá, rende o vigia, sei lá, entra, rouba, leva e, pronto, sumiu, roubaram.
_As coisas são planejadas.
_ E ...
_ E?
_Eu tenho provas na faculdade pra fazer e você tem contas a prestar...
_Cê já ouviu uma música de um grupo de rock, que fala assim: "Eu, você, a vadia, ninguém presta"?
_ Mas...
_Mas não ...
_Mas não é a ...
_...regra.
Diálogos
_Tudo tem regra, mano.
_É porque ninguém confia em ninguém.
_E até que ponto a gente direito de confirar em alguém, de confiar que você não vai me abandonar com meus filhos, não assim que nem na novela é ...
_Ah, é, já tava quase chorando ...
_ Fui mal ...
_Desencana. É fácil eu vir aqui e resolver a sua via em cinco minutos, fazer uma relatório, que é minha obrigado, e ... É?
_Como eu também não tenho a obrigação de cobrar que cê traga, pelo menos uma caixa de leite.
_Ual!
_Cê entendeu, né?
_O leite é mais barato que um maço de cigarro.
_É mano, me trucou, heim?
_Mas tem que falar, né? Quando puder ... Coisa que não é falada, é foda, fica, às vezes, lá, perturbando, roendo ...
_É ... Falar.
_Falar demais também é foda.
_Pô, deixa ...
_Falar à toa ... É foda falar besteira ... Fala você, vamos, diga! Agora. Vamos lá então.
_É porque ninguém confia em ninguém.
_E até que ponto a gente direito de confirar em alguém, de confiar que você não vai me abandonar com meus filhos, não assim que nem na novela é ...
_Ah, é, já tava quase chorando ...
_ Fui mal ...
_Desencana. É fácil eu vir aqui e resolver a sua via em cinco minutos, fazer uma relatório, que é minha obrigado, e ... É?
_Como eu também não tenho a obrigação de cobrar que cê traga, pelo menos uma caixa de leite.
_Ual!
_Cê entendeu, né?
_O leite é mais barato que um maço de cigarro.
_É mano, me trucou, heim?
_Mas tem que falar, né? Quando puder ... Coisa que não é falada, é foda, fica, às vezes, lá, perturbando, roendo ...
_É ... Falar.
_Falar demais também é foda.
_Pô, deixa ...
_Falar à toa ... É foda falar besteira ... Fala você, vamos, diga! Agora. Vamos lá então.
Farol do Mar
As amoreiras eram lindas. Frutos lindos. Folhas quando em sua época, também as flores. As amoreiras. A natureza. Belas! Amoreiras. Um caminho, um corredor. Carruagens, confortáveis, lindas, um túnel de amoreiras, com sombras que nos brindavam aquele lindo dia de soil. E o cheiro. O cheiro de bosta dos cavalos dos jogadores de pólo.
_É isso.
_São coisas distintas. Primeiro eu. Eu estou querendo sair dessa casa de praia hoje mesmo.
_Tá. Eu não preciso sair hoje.
_Ah, então essas responsabilidades, papai, das pessoas aí na sala, eu deixo com você ...
_Cê vai com aquele garoto?
_Ai pai, eu cansei, sabe... Quero assistir TV antes de ir pra aula, sabe?
_Tá ...
_Então eu vou com ele.
_Filha, cê precisa passar um tempo comigo essa semana. Preciso contar coisas ... Sabe coisas daquelas ...?
_Isso parece fofoca de TV, pai ...
_Mas é.
_Eu nunca vou preferir entregar vasos indianos...
_Chineses!
_ Pra assessor que ... Poxa, essa gente é foda demais. Esse cara aí é muito comprometedor. Eu fui buscar o cara na rodoviária. Lá tem câmera. Lá tem câmeras, todas funcionando. O tempo todo. Sem parar. Eu fui filmada. A filha do deputado do partido mais ... Mais ... Sei lá como classificar vocês!
_Então filha, eu não entendo nada desse negócio de antiguidades. Pra mim isso é coisa de filme. De mafioso. Mas passa junto, então taí e fora isso, eu tô sempre quieto, no meu canto, com meus projetos de lei, minhas festinhas e aqui vem todo mundo. Cê tá vendo essa sala como que tá, não é?
_É papai.
_E então?
_Eu acho que esse cara aí, esse deputado aí é fria, sabe? Ele pode entregar a gente se alguém pegar ele fazendo a mesma coisa.
_Cê acha que ele quer vender antiguidades para deputados que precisam lavar dinheiro ....
_Não. Ele tá só curtindo uma ... Nem sabe se vai terminar o mandato preso ou não, o partido dele é igual a todos. Mas também não sei se é assim. Estou mais preocupada agora do que antes. Triste mesmo. De repente. E não sei o motivo. Acho que vou morrer ... Acho que eu tô na merda. Uma merda. Arrgh! Mas passa. Acho que passou. Pai, eu quero ir hoje, de volta, pra vida. Linda e nova. É, o correto é isso. Viva e linda! Pra sempre. Eu volto hoje pro por interior pai. Como que carro que eu posso ir? Quero ir ouvindo um som. Tô com insônia mesmo. Tô cansada mesmo, já sei que os ladrões não são os meninos que estão na sala...
_Filhinha ...
_Tá bom, eu exagerei agora.
_Ah bom.
_Mas é isso. Eu vou com um dos meninos.
_Que menino?
_O advogado?
_Ai que bom ...
_É pai, ele é advogado, é um cara legal.
_Ah, eu acredito ... Como eu sou, né? Um deputado, um homem que conhece muita gente...
_Inclusive um jovem advogado...
_Inclusive um jovem advogado que é amigo dos meninos ali da sala ...
_Pai, eu quero ir com ele a uma festa.
_Festa?
_Tá bom, ele não está bebendo, dê a chave do carro pra ele.
_Não precisa exagerar, pai...
_ Exagero é a mulher do Márcio com o motorista...
_ Ele sabe.
_ Todo mundo sabe.
_Não, não. Não é todo mundo que sabe. Todo mundo sabe alguma coisa.
_Eu tô fora.
_Cê não fez isso querida...
Para alguns podem ser avenidas, corredores de ônibus, podem ser a rua de sua casa, ou ser a rua das suas casas, afinal, quando se dorme nas ruas, as casas são muitas, mas nenhuma de quem dorme na frente delas, e muitos que assim vivem mereceriam, desta forma que as coisas são, todas as casas, não só de sua cidade, mas de seu Estado, País, mundo Mas aí, como encontrar tantas coisas assim, para tantas pessoas que as merecem mais que a maioria absoluta das que têm. Não, não. Isso não é um manifesto comunista, nem a alternativa "outros", nem a alternativa "nenhuma das anteriores".
_Não aguento mais esse texto.
_Nem eu.
_Tem muita gente ainda na sala?
_Não, não importa. Hora de irem embora.
_"Quem vai ficar com quem?" não é?
_É isso.
_São coisas distintas. Primeiro eu. Eu estou querendo sair dessa casa de praia hoje mesmo.
_Tá. Eu não preciso sair hoje.
_Ah, então essas responsabilidades, papai, das pessoas aí na sala, eu deixo com você ...
_Cê vai com aquele garoto?
_Ai pai, eu cansei, sabe... Quero assistir TV antes de ir pra aula, sabe?
_Tá ...
_Então eu vou com ele.
_Filha, cê precisa passar um tempo comigo essa semana. Preciso contar coisas ... Sabe coisas daquelas ...?
_Isso parece fofoca de TV, pai ...
_Mas é.
_Eu nunca vou preferir entregar vasos indianos...
_Chineses!
_ Pra assessor que ... Poxa, essa gente é foda demais. Esse cara aí é muito comprometedor. Eu fui buscar o cara na rodoviária. Lá tem câmera. Lá tem câmeras, todas funcionando. O tempo todo. Sem parar. Eu fui filmada. A filha do deputado do partido mais ... Mais ... Sei lá como classificar vocês!
_Então filha, eu não entendo nada desse negócio de antiguidades. Pra mim isso é coisa de filme. De mafioso. Mas passa junto, então taí e fora isso, eu tô sempre quieto, no meu canto, com meus projetos de lei, minhas festinhas e aqui vem todo mundo. Cê tá vendo essa sala como que tá, não é?
_É papai.
_E então?
_Eu acho que esse cara aí, esse deputado aí é fria, sabe? Ele pode entregar a gente se alguém pegar ele fazendo a mesma coisa.
_Cê acha que ele quer vender antiguidades para deputados que precisam lavar dinheiro ....
_Não. Ele tá só curtindo uma ... Nem sabe se vai terminar o mandato preso ou não, o partido dele é igual a todos. Mas também não sei se é assim. Estou mais preocupada agora do que antes. Triste mesmo. De repente. E não sei o motivo. Acho que vou morrer ... Acho que eu tô na merda. Uma merda. Arrgh! Mas passa. Acho que passou. Pai, eu quero ir hoje, de volta, pra vida. Linda e nova. É, o correto é isso. Viva e linda! Pra sempre. Eu volto hoje pro por interior pai. Como que carro que eu posso ir? Quero ir ouvindo um som. Tô com insônia mesmo. Tô cansada mesmo, já sei que os ladrões não são os meninos que estão na sala...
_Filhinha ...
_Tá bom, eu exagerei agora.
_Ah bom.
_Mas é isso. Eu vou com um dos meninos.
_Que menino?
_O advogado?
_Ai que bom ...
_É pai, ele é advogado, é um cara legal.
_Ah, eu acredito ... Como eu sou, né? Um deputado, um homem que conhece muita gente...
_Inclusive um jovem advogado...
_Inclusive um jovem advogado que é amigo dos meninos ali da sala ...
_Pai, eu quero ir com ele a uma festa.
_Festa?
_Tá bom, ele não está bebendo, dê a chave do carro pra ele.
_Não precisa exagerar, pai...
_ Exagero é a mulher do Márcio com o motorista...
_ Ele sabe.
_ Todo mundo sabe.
_Não, não. Não é todo mundo que sabe. Todo mundo sabe alguma coisa.
_Eu tô fora.
_Cê não fez isso querida...
A Festa parte 2:
O que faz bombar é a diversidade.Uma festa ímpar, como poucas. E com a diversidade e a possibilidade de opção, neste caso. Entre os copos sobre a mesa, alguém tenta esconder um prato com cocaína.
Ao lado esquerdo, um empresário bêbado, com as mãos nas coxas de um garoto que esboça um mapa, outro garoto que esboça outro mapa. Um mapa com novos amigos. No mapa, do lado direito, um parlamentar, bêbado, chora olhando o mar ao fundo e de costas para a piscina, para a churrasqueira que insiste arder, com aqueles pedaços de carne torrados, num momento em que ninguém mais come carne. Sim, num país onde as pessoas passam fome. E o embrulho, o embrulho no estômago e as pessoas se comendo ali, na frente dele, atrás dele, o mapa, um mapa, o mapa que seu amigo desenha, enquanto o cara acaricia as pernas do rapaz. Quem é o cara?
_O cara é o marido da mina que tá transando com o Gandaia, no quarto...
_ A casa é da mina que tá transando?
_Não, é do deputado...
_Aquele que tá chorando ali?
_Não, do outro deputado. Aquele ali tomou um fora da filha do dono da casa, que é deputado também.
_Ah, que sacanagem isso aqui, heim mano? Quem que tá bancando tudo isso, heim?
_É nóis véi. É nós na fita. Vamo detona isso aqui.
_É ...
_Olha: Não esqueça! É uma casa que tem o baratinho verde na frente. Ta vendo. Parece que é tudo igual, né? Eles fazem assim, acho que é pra gastar menos ... Pintam tudo de branco e fazem umas faixas coloridas. Mas a galera viaja. Nego planta até tomate na frente de casa. Era uma favela né? Aí mudaram a galera pra lá. Na frente da casa dele não tem nada. O cara chama Rafinha e do lado, do lado da casa dele, tem uma menina que faz programa, inclusive com ele... Se ele não tiver lá, aí, vê se ela pode te dar um adianto! Certo? Seja discreto... Ah, outra pista: Na frente da casa da mina do cara tem um pé de dália.
Ao lado esquerdo, um empresário bêbado, com as mãos nas coxas de um garoto que esboça um mapa, outro garoto que esboça outro mapa. Um mapa com novos amigos. No mapa, do lado direito, um parlamentar, bêbado, chora olhando o mar ao fundo e de costas para a piscina, para a churrasqueira que insiste arder, com aqueles pedaços de carne torrados, num momento em que ninguém mais come carne. Sim, num país onde as pessoas passam fome. E o embrulho, o embrulho no estômago e as pessoas se comendo ali, na frente dele, atrás dele, o mapa, um mapa, o mapa que seu amigo desenha, enquanto o cara acaricia as pernas do rapaz. Quem é o cara?
_O cara é o marido da mina que tá transando com o Gandaia, no quarto...
_ A casa é da mina que tá transando?
_Não, é do deputado...
_Aquele que tá chorando ali?
_Não, do outro deputado. Aquele ali tomou um fora da filha do dono da casa, que é deputado também.
_Ah, que sacanagem isso aqui, heim mano? Quem que tá bancando tudo isso, heim?
_É nóis véi. É nós na fita. Vamo detona isso aqui.
_É ...
_Olha: Não esqueça! É uma casa que tem o baratinho verde na frente. Ta vendo. Parece que é tudo igual, né? Eles fazem assim, acho que é pra gastar menos ... Pintam tudo de branco e fazem umas faixas coloridas. Mas a galera viaja. Nego planta até tomate na frente de casa. Era uma favela né? Aí mudaram a galera pra lá. Na frente da casa dele não tem nada. O cara chama Rafinha e do lado, do lado da casa dele, tem uma menina que faz programa, inclusive com ele... Se ele não tiver lá, aí, vê se ela pode te dar um adianto! Certo? Seja discreto... Ah, outra pista: Na frente da casa da mina do cara tem um pé de dália.
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