Era uma vez um continente inteirinho para fora dos mapas ocidentais. Um paraíso de índias e índios correndo pelados no mato. Aí chegaram os padres fazendo missas, trouxeram as roupas e alguém começou atirar e matar índios, tribos, aldeias, civilizações inteiras. Quando eles chegaram no alto da montanha, viram que, para além da montanha, como já imaginavam, havia uma cordilheira.
Avançaram para o alto da cordilheira. Depois de lá, só descer.
O sacerdote era um homem dentro da caverna, entrada no meio das pedras e de algum tipo de palha que bloqueava a entrada completa de luzes por ali. Até de dia, lá dentro parecia noite. A boca da caverna era alta. Uma grande entrada. Como uma boca que engolia ali o orgulho mais alto dos conquistadores europeus. Eles chegaram detonados. Davam a vida para buscar algo mais. Já não bastava todo o ouro conquistado e levado. Agora era um suposto ouro branco que buscavam. Possuídos pela maior ganância jamais imaginada. Daí a contradição e confusão. Em que ponto haviam chegado. Acima dali somente o céu. E se dentro da caverna encontrassem algum caminho, eram capazes de ir à procura. Mas o que foi apresentado a eles, nunca mais abandonaria aquilo que até ali eles consideravam tudo o que tinham vivido. "O ouro branco vai pra dentro de você". Era a frase do sacerdote, nesta altura, com uma cara estranha, de quem olha descrente de você vai acreditar naquilo que ele mesmo está dizendo, tamanha sua incompreensão sobre como é fácil acreditar.
Mas fácil acreditar na mentira_mentira!_mais fácil era perceber a verdade. Estavam há dias andando no meio de pedras, passando frio, com medo de ataques de surpresa _por mais que já se considerassem os senhores supremos do novo território já conquistado_ a futura América Latina reservava surpresas para os jovens burgueses descendentes de europeus, até os dias de hoje, no caso esse híbrido de séculos que se arranha sob título de século 21, suplantados pela nóia, preguiça e desânimo. Pobre. Haja cabeça pra aguentar o passar do efeito de uma droga forte e antidepressiva diante do falso moralismo de um pregador. Mas a liberdade vai daí ao encontro daquele mesmo pensamento que ele imaginava alimentar com relação a seu comportamento diferente. Olha só o resultado: Perdido e decepcionado, o moleque agora pensava que era ele quem estava errado. Perigoso pensar. Pensar parece privilégio. Filosofia é luxo. O que vale é o relógio no topo da torre da igreja, batendo as horas, bem alto, pra mostrar quem é que manda.
_e não era à toa que o lugar tivesse um nome que remete a um lugar alto, como Altiplano. Nem era só ele, mas muitos espanhóis. Sim isso é um jeito meio tonto de contar essas coisas, até porque tem muita gente prestando atenção no que eu faço. Noa naquilo que eles mesmos chamam de produto, mas no jeito como eu faço as coisas. Como o jeito de comer. Ninguém me deixa à vontade.
E essa era também a ideia da ânsia que esperava do outro lado da parede, pela hora de dormir. O filme que o Lorde assistia, aos poucos ia misturando-se com seu sonho, como uma ficção em exercício de quantas realidades poderiam vir dali pela frente. Só uma delas dava medo. A de se entregar a um vácuo e funcionar como uma peça.
Não. Ninguém é peça do jogo de xadrez de ninguém. É que até na nóia do submundo ou de como quer que os intelectuais da universidade chamassem, até se form mesmo um submundo, um mundo abaixo dos outros é um mundo em que tem algum tipo sentimento. Daí os exageros. Era um saco a vida naquela casa. De um lado a mediocridade do consumismo idiota e do outro o uso mentiroso da religião. O lar daquela família parecia uma árvore que estava sendo sugada por um parasita em cada uma de suas pontas. Um que come as folhas e galhos mais bonitos e outro tipo de verme que suja a planta pela raiz. Extremos de um pastor levantando o cajado para o rebanho e de outro o rala e rola dos sarados da novela. Os livros na estante e o olhar de culpa do sobrinho estressado. A arte às vezes é uma companheira até cruel. Traz cada tipo de manifestação do consciente e do inconsciente. Por isso. Porque é uma delícia dançar e cantar com liberdade, liberdade da hipocrisia, não liberdade das responsabilidades, essas sim, compromisso de respeito ao jeito de cada um de seus limites. E a pergunta que não queria calar, perseguia das unhas encravadas do pés, até o cabelo mais arrepiado: Parar mais perto da biqueira ou parar de usar.
_Canalhas. Queria eu manipular as leis pra que o povo tocasse os tambores também.
Até a ideia de divisão do tempo dava tédio. Com razão.
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