A praça
Uma festa tradicional acontecia todos os anos na praça em torno da Igreja Matriz. Era a quermesse tradicional. As das outras igrejas sequer eram consideradas . Festa mesmo era aquela ali. Afinal, se a arrecadação divulgada, no mês seguinte, nos jornais, sempre dava conta de uma grande arrecadação. Era como se realmente todos os religiosos tivessem comprado muita pizza, muito chopp e jogado muito bingo nos quatro fins de semana da festa. O dinheiro, durante o resto do ano, seria suficiente para pagar as contas da casa do sacerdote, oficialmente ao lado do templo, as despesas com a própria programação religiosa, obras assistenciais, publicidade às campanhas litúrgicas e sociais, gastos com o templo, com a reforma, por exemplo. O problema é o dinheiro, apesar da diversidade religiosa, usado para a reforma daquele templo específico, tinha saído dos cofres públicos, sem que as pessoas que apreciavam o belo prédio da prefeitura, em meio ao verde e aos espelhos d´água soubessem que, independente de sua religião, crença ou tradição, estavam pagando os gastos com a obra daquele templo imenso. Até aí, não seria má ideia, considerado que a igreja era um prédio histórico, foi erguido há dezenas de anos e representava um tempo em que a Igreja e o Estado viviam muito juntos, sob a proteção da lei nacional.Mas isso não foi só no passado. Hoje as decisões também passsam por outros templos, alguns prédios compostos de concreto, mármore e granito, cujos vitrais da igreja deram lugar aos discretos vidros fumê. A quermesse, cuja arrecadação era superestimada, parecia mais um churrasco entre amigos, dado que estavam lá as principais autoridades municipais, públicas e privadas. Prefeito, vereadores, promotores, juiz, todos ali sob as bençãos de um sacerdote irônico e já um tnato bêbado, que olhava sobre a armação dos óculos pretos, com aparente desdém, a massa de pizza graciosamente manuseada pela filha da beata, a massa do pastel, violentamente manuseada pelo filho do importante colaborador da igreja e a massa humana, de olhos arregalados sobre os comes e bebes espalhados pela longa mesa das autoridades, estes sim, declaradamente alcoolizados e devidamente saciados na fome de comida. Se ele pensava em distâncias, como as que separavam os moleques correndo junto aos cachorros por mentre as pernas dos quermesseiros, em busca de restos, talvez pensasse na distância que separava a arrecadação verdadeira daquele quermesse, como em anos anteriores, e a pequena quantia que realmente arrecada. Pensava também na lavanderia comunitária que as jovens mães assistidas pela igreja e na grande lavanderia de dinheiro sujo em que instituições são transformadas. "E essa bosta de festinha vai pagar viagem para o Vaticano. Esse povo tem de ser muito burro mesmo para acreditar numa estória dessas", pensava o sacerdote, enquanto acendia o seu cigarro brasa do cigarro do garoto que lhe perguntava:
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