Segunda parte - Na praia, domingo à noite

_Oi. Chegamos.

_Vou buscá-los. Onde estão? Próximo ao guichê?

_Não, cê vai ver, logo que sai da rodoviária tem uns orelhões ao lado de uma lanchonete. Tá bem agitado aqui, vem logo, tá? Mas e aí, como é que estão as coisas?

_ Tudo ótrimo. Tem uma galera aqui. Ai tem tanta coisa pra ver, mil coisas.

_Então vem logo que ...

_Ai, é só o tempo de chegar aí, eu acho ... Uns vinte minutos eu tô aí, fica onde tenha luz ...

_ Não, não, tranquilo, eu espero.

_Um vazo Ming. Dinastia Ming, quem diria?

_Disnastia Ming, quem diria? Você sabe o que é isso?

_Ah....

_"Ah" não! A dinastia Ming foi um período da história da China...

_ Ai a China! Essa bosta desse vazo fez eu perder uma prova esta semana. Que bosta eu cheguei atrasada na aula e o professor falou que ia me dar a prova. Cê tem noção? Mas ele é lindo, não é?

_Lindo, caro e único.

_Como a minha prova, que eu perdi.

_Feliz no jogo ...

_Ah, "feliz no jogo" a porra! Já era pra essa grana tá comigo há duas semanas, querido. Mas tudo resolvido, agora. Temos muito a dizer, não?

_ Claro.

_ Como que estão as coisas, heim?

Ela ajeitou a saia, passou as mãos pelos cabelos e sorriu. Uma estrutura de madeira, com encaixes de isopor e o vaso enrolado em metros de plástico bolha. A dimensão da embalagem era quase a do porta-malas. Mas era uma vaso Ming.

_Está nas mãos da Justiça.

_É.

_Preciso que me explique melhor.

_ Fica nas mãos da Justiça pois são, não sei explicar isso muito bem, mas no final são decisões da Justiça, mas muito restrita, a decisão, acho que é isso, então os deputados, os presidentes, prefeitos, governadores, não é, eles ficam num processo que este que a gente vê mais, é mais assim...

_Mas é o juiz que cassa, não é?

_Não, o juiz manda prender e outro tenta, se der, livrar, mas aí um promotor, aliás, promotores são uma coisa, aí tem as agências, agências reguladoras, empreiteiras, empresas e essas coisas todas que a gente tá cansado de saber, a chuva no molhado, o talvez, a punhetação, os seminários, que são coisas boas mas não quando só em torno delas. A coisa é muito restrita...

_Acho que no final a gente fica sabendo de muito pouco mesmo do que acontece, ali, dos detalhes sórdidos, dos motivos, das entrelinhas...

_ E não há muito como saber disso, não é?

_ E isso dá, ao mesmo tempo, essa angústia na gente.

_Porque?

_É um sem-saída, sem perspectiva... não acredito em mais nada!

_Credo que coisa mais deprê, que pobreza essa fala....

_ Que crueldade essa observação... Eu conto aqui as minhas entranhas e você... Cê tá certo, não é?

_ O pior é ter que ouvir isso... Vai achando que eu estou certo e pior ainda: Eu fico sem ninguém pra me corrigir se eu estiver vacilando de novo.

_Ah, mas é isso. Vou dizer o que?

_Não diga nada ...  Ah, sei lá, dá um pião ...

_Vamos fazer coisas né?

_Ah então vamos. Vamos rastrear esse dinheiro todo Aì?

_Eu disse coisas práticas ... Você tem um humor horrível ...

_Sabia que os caras nas prisões eles precisam viver lá dentro?

_Ah, tá ...

_ É isso mesmo. Até lá dentro tem dentro. É preciso viver.

_Cê sabe que às vezes eu acho que eu vou pra cadeia. Sabe, não é só ser detido. É prisão mesmo.

_Então eu acho que a ideia de que no meio de tudo isso tem gente, né?

_Ai que discurso...

_É um discurso.

_Mas e você não vê uma luz, não?

_Vejo sim. Eu vejo muita luz.

_Que tal me contar?

_Acho que é você que tem que me contar, não?

_Contar o que?

_Contar sobre a luz no fundo do túnel.

_É chato falar sobre isso.

_Enjoa?

_Cansa.

_ Não deprime?

_ Mata, até!

_Então, mas fácil mudar de assunto. Não é? Melhor fazer a grande revelação: "A senha é..."

_Finalmente o momento tão esperado...

_Sim, a senha: Sabe quem foi?

_Foi ...

_Foi?

_Todo mundo sabe.

_Espera aí, do que cê tá falando?

_De quem mandou fazer...

_Fala logo!

_Todo mundo sabe. E logo eu que vou ter que falar. Então tá bom. É isso. Foi exatamente isso. E agora?

_Vamos fazer alguma coisa.

_O que?

_Tudo que não fizemos até agora.

_É?

_Próxima.

_Próximas, né?

_Qual é a próxima?

_Acabou o cigarro.

_Não, isso não, tô falando da próxima, da prõxima!

_ Ah, então vamos lá. Tem algumas pessoas que podem fazer coisas que algumas pessoas não podem. Mas os motivos de uns poderem e outros não são diferentes, certo?

_ Certo?

_ Então eu posso muitas coisas e você, pelo que sei, também, não é?

_Ah sim. É tudo mais fácil de entender agora. Ninguém decide assaltar a Casa da Moeda e toma um ônibus e vai lá, rende o vigia, sei lá, entra, rouba, leva e, pronto, sumiu, roubaram.

_As coisas são planejadas.

_ E ...

_ E?

_Eu tenho provas na faculdade pra fazer e você tem contas a prestar...

_Cê já ouviu uma música de um grupo de rock, que fala assim: "Eu, você, a vadia, ninguém presta"?

_ Mas...

_Mas não ...

_Mas não é a ...

_...regra.

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