Horas depois, deitado no chão, Lorde ouvia o zumbido das balas passando no ar.Aos poucos era coberto pelos pedaços de madeira, vidro e reboco que caiam sobre seu corpo. Os projeteis vinham de todas as partes. A polícia tentava invadir as casas na rua Oito e os traficantes respondiam de vários pontos do Tancredão. A maior parte parecia ter ido embora. Alguns minutos antes do tiroteio e as ruas do Jardim do Sol, Costa e Silva e Eldorado e Tancredo Neves eram zunidos só de CGs e Titans, RDZs etc, usadas pelos pequenos traficantes para fugir pela estrada do Xanadu.
A chegada da Polícia foi em grande estilo. Chegaram, com o furgão da Base Comunitária, mais uma meia-dúzia de camburões e ainda policias de moto. Pareciam dispostos a fazer muito barulho. As sirenes alertaram,
////// naruadaescola
Relações ìntimas
Finalmente o publicitário ligou para o motorista, ainda que contra a sua vontade. Conheceu Piracema uns cinco anos antes. O atual motorista trafegava de moto quando foi colhido pela caminhonete de Márcio, que realizava uma conversão proibida. Quebrou a perna direita do garoto que o ameaçou, entre muitas outras coisas, de morte. Convencido que não dirigia bem e mais convencido ainda que não gostaria de ter problemas na imprensa, resolveu contratar o moleque.
Traficante, muambeiro, ladrão de, 157, passador de cheques sem fundos, pai de duas crianças, pai de uma terceira que ainda estava por nascer, ex-crente, ex-guarda municipal, ex-mecânico, ex-chaveiro, ex-garoto de programa. Era a ficha do rapaz o que colocava dentro de casa. E muito ainda acham que um empresário de sucesso é um cara conservador, religioso, honesto, e careta. João Carlos pelo menos estava na média. Comia pelo menos uma mulher diferente por semana. Nem que fosse para pagar droga a uma viviada que ele traçaria na caçamba da caminhonete mesmo. Tinha uma mulher linda e carinhosa e um motorista íntimo, que trabalhava mais para levar Sandra onde ela queria do que o próprio patrão.
Mas o publicitário considerava Piracema o seu mais leal escudeiro. Pau para toda a obra. Sempre pronto para o combate.
_Vamos descer para o Litoral Norte hoje.
_Aí chefia, não dá pra ser à noite não?
_Eu preciso ir cedo.
_Ah, então não vai dar.
_Então à noite, que horas?
_Depois das dez da noite, pode ser.
_Vou eu e a Sandra, a gente vai à casa de um amigo em Ubatuba.
_Beleza. Estou levando uns amigos meus, também, belê?
Traficante, muambeiro, ladrão de, 157, passador de cheques sem fundos, pai de duas crianças, pai de uma terceira que ainda estava por nascer, ex-crente, ex-guarda municipal, ex-mecânico, ex-chaveiro, ex-garoto de programa. Era a ficha do rapaz o que colocava dentro de casa. E muito ainda acham que um empresário de sucesso é um cara conservador, religioso, honesto, e careta. João Carlos pelo menos estava na média. Comia pelo menos uma mulher diferente por semana. Nem que fosse para pagar droga a uma viviada que ele traçaria na caçamba da caminhonete mesmo. Tinha uma mulher linda e carinhosa e um motorista íntimo, que trabalhava mais para levar Sandra onde ela queria do que o próprio patrão.
Mas o publicitário considerava Piracema o seu mais leal escudeiro. Pau para toda a obra. Sempre pronto para o combate.
_Vamos descer para o Litoral Norte hoje.
_Aí chefia, não dá pra ser à noite não?
_Eu preciso ir cedo.
_Ah, então não vai dar.
_Então à noite, que horas?
_Depois das dez da noite, pode ser.
_Vou eu e a Sandra, a gente vai à casa de um amigo em Ubatuba.
_Beleza. Estou levando uns amigos meus, também, belê?
Mais uma dose
Pra ter vontade de beber, bastava o impulso provocado pela publicidade. Nas ruas, nos shoppings, nos eventos, principalmente aqueles dirigidos à juventude, principal alvo dos grandes fabricantes de bebidas alcoólicas. Nas ruas residenciais dos bairros nobres, ou nas vielas da periferia, nas adegas, ou embaixo da pia, o álcool estava lá à espeita.
Dava pra ler tudo da porta do bar mesmo, sem entrar, para conferir a exposição. Cinzano, cortezano, Martini, menta, rabo de galo, Campari. Cadas garrafa com uma cor mais bonita que a outra. Cada cor mais viva que a outra. Martini, Contini, San Raphael. Old Eight, Passport, Black Label, Blue Label, Chivas, White Horse. Quase tudo falso. Todos de altíssimos níveis alcoólicos. As cervejas nas geladeiras. Dava pra ver todas da rua também. Como era possível ver, do mesmo jeito, as caras, peitos e bundas nos cartazes. Cinquenta e Um, Velho Barreiro, Vila Velha, Campari. Jurubeba, Catuaba. As garrafas são vistas da calçada mesmo.
Mas tem gente que não bebe.
O delicioso cheiro de churrasco parecia mais forte agora. Abandonados nas grelhas, os pedaços de carne iam torrando enquanto os churrasqueiros de domingo fugiam pelas estradas de terra. Alguns deles, a maioria da Rua Seis, sem carteira de habilitação, a maioria de todos os fugitivos, quase todos da Rua Nove, com a documentação ilegal dos carros e motos, e uma boa parte das ruas Seis, Nove e Quatro, carregando algum tipo de arma. Maradona, por exemplo, que morava na Rua Dez, em vez de esconder-se, aumentou o volume do som no rádio.
Dava pra ler tudo da porta do bar mesmo, sem entrar, para conferir a exposição. Cinzano, cortezano, Martini, menta, rabo de galo, Campari. Cadas garrafa com uma cor mais bonita que a outra. Cada cor mais viva que a outra. Martini, Contini, San Raphael. Old Eight, Passport, Black Label, Blue Label, Chivas, White Horse. Quase tudo falso. Todos de altíssimos níveis alcoólicos. As cervejas nas geladeiras. Dava pra ver todas da rua também. Como era possível ver, do mesmo jeito, as caras, peitos e bundas nos cartazes. Cinquenta e Um, Velho Barreiro, Vila Velha, Campari. Jurubeba, Catuaba. As garrafas são vistas da calçada mesmo.
Mas tem gente que não bebe.
O delicioso cheiro de churrasco parecia mais forte agora. Abandonados nas grelhas, os pedaços de carne iam torrando enquanto os churrasqueiros de domingo fugiam pelas estradas de terra. Alguns deles, a maioria da Rua Seis, sem carteira de habilitação, a maioria de todos os fugitivos, quase todos da Rua Nove, com a documentação ilegal dos carros e motos, e uma boa parte das ruas Seis, Nove e Quatro, carregando algum tipo de arma. Maradona, por exemplo, que morava na Rua Dez, em vez de esconder-se, aumentou o volume do som no rádio.
Maldades
_Primeiro você tem que imobilizar o cara. Aí depois vai fazendo o serviço ...
_Mas você acha que é melhor amarrar a pessoa?
_Ah é ... A não ser que você tenha algemas.
_Mas onde que eu vou encontrar algemas?
_Não sei, é melhor amarrar mesmo, truta.
_E aí?
_Aí você faz o seguinte: Você pega um cano de pevecê, passa gel ou silicone nele e vai enfiando no cu do safado!
_Ah, mas não pode ser um pedaço de pau? Tem que ser cano de PVC?
_Tem que ser um cano, de preferência um cano de pevecê. É melhor que seja uma cano assim.
_Mas porque tem que ser um cano?
_Porque você vai enfiar o cano no cu do safado e vai enfiando bem de leve ...
_Mas vai que o cara gosta...
_Vai, ele vai gostar. Aí quando acabar de enfiar, quer dizer ... quando tiver enfiado um tanto ... E você não vai deixar o cara sentir dor, certo?
_Porque?
_Porque depois você vai pegar um pedaço de arame farpado...
_Ah é?
_Aí, sem retirar o arame farpado, você vai puxar, bem devagarzinho o cano, para o arame farpado ficar lá, na bunda dele, nas tripas dele!
_Porra cara, só de você falar...
_Ah é? Você já tá até com dor no cu, então? Cê nunca vai ter coragem de trabalhar na polícia, heim?
_Porra, acho que não véio...
Onde as ruas não têm nome
E mesmo tendo aumentado o som, foi impossível não ver as balas pipocando... Maradona não era skatista, mas vivia em cima de um skate. Tinha perdido duas pernas no corte de cana quando morava em uma cidade próxima. Pelo menos essa era a história que ele contava por aí. Dizia que, num acidente, o trator que era usado para carregar as carretas de cana, caiu sobre as pernas dele. Com as pernas cortadas ele não conseguia mais trabalhar na roça e não ganhou seguro algum por causa disso. Usava o skate para se locomover dentro da casa.
Foi ele que vendeu a diamba para os moleques.
Foi ele que vendeu a diamba para os moleques.
Por querer
O safado usava droga porque queria. Começou bem depois da média da galera com que ele convivia. Passava o dia todo fumando maconha. Não dava mais atenção a nada enquanto dedicava-se à prática de fumar um bom baseado. Gostava e nunca se importou com isso. Quando era adolescente, julgava, tinha levado a vida muito a sério. Passou a maior parte do tempo trabalhando, estudando ou assistindo televisão, graças à falta de opções de cultura. Quando chegou à vida quase adulta - por volta dos 18, garantiu boa profissão procurou deixar alguma coisa guardada. Mas não conseguiu guardar nada. Em compensação ficou com um acúmulo de conhecimentos que muita daquela gente não tinha. Conseguiu enfrentar o desprezo de muita gente. E o preconceito, principalmente. Mas não importou-se. Poderia ser apenas um dos milhares de jovens de classe média, que têm acesso a alguns bens de consumo, inclusive drogas. Empapuçado de drogas, passou observar como funcionava aquela zona cinzenta entre o crime organizado e a vida oficial, apresentada no horário comercial. Filosofava sobre a relação de um mundo com outro. Tentava ver aquilo como um mundo só.
Eles têm poder nas mãos, nos pés, talvez em todos os lugares. Cegava um carro. Piscava os faróis. O primeiro antena respondia com uma lanterna. O carro vinha devagar, o antena dava sinal para entrar à direita. Parava junto aos três vapores posicionados na esquina da pracinha. Perguntavam o que os playboys queriam.
_Negócio é o seguinte, a gente quer cinco papel de vinte.
_Aê, abaixo o farol e dá um pião, mas não volta aqui não. A bica é ali em baixo mas você pode deixar o dinheiro aqui.
_Cê tá loco que eu vou deixar meu dinheiro co´cê?
_Ae mano, aqui o papo é firmeza e num tem trairagem não.
_Então dá meu dinheiro de volta que eu pelo lá em baixo com ele.
_Meu, pára de brigar com o cara que você vai levar um tiro na testa - gritava a menina no banco de trás.
_Ai boy, se não quiser assim, vai pegando seu dinheiro de volta e vai buscar sua farinha em outra briqueira, certo?
Eles têm poder nas mãos, nos pés, talvez em todos os lugares. Cegava um carro. Piscava os faróis. O primeiro antena respondia com uma lanterna. O carro vinha devagar, o antena dava sinal para entrar à direita. Parava junto aos três vapores posicionados na esquina da pracinha. Perguntavam o que os playboys queriam.
_Negócio é o seguinte, a gente quer cinco papel de vinte.
_Aê, abaixo o farol e dá um pião, mas não volta aqui não. A bica é ali em baixo mas você pode deixar o dinheiro aqui.
_Cê tá loco que eu vou deixar meu dinheiro co´cê?
_Ae mano, aqui o papo é firmeza e num tem trairagem não.
_Então dá meu dinheiro de volta que eu pelo lá em baixo com ele.
_Meu, pára de brigar com o cara que você vai levar um tiro na testa - gritava a menina no banco de trás.
_Ai boy, se não quiser assim, vai pegando seu dinheiro de volta e vai buscar sua farinha em outra briqueira, certo?
Ninguém presta
Lorde quase sempre teve respeito pelos crentes. Até por ter a mãe crente e um primo pastor evangélico. Só não entendia como eles podiam ser tão radicais. Olhavam para ele com expressão de dó. Com uma arrogância insuportável.Como se a leitura metódica da bíblia cristã fosse credencial para falar em nome de deus. E afinal, quem era esse tal deus. Os caras diziam saber tudo o que era deus, como ele se comportava, o que ele achava das coisas. Ele tinha momentos de ódio dos crentes. Pois eles não davam chance. Não abriam as cabeças. Julgavam a tudo e a todos ou se afundavam na hipocrisia, saindo com frases do tipo: "Eu não quero julgar tal pessoa, mas acho que ela...". Aí fazem o julgamento moral do cara. Ou da mina.
Os crentes liam a bíblia, interpretavam as histórias que eram contadas ali e desejavam que fossem aceitas pelas pessoas, pelos não-convertidos, pelos pecadores, pelos perdidos, pelos drogados, pelos prostituídos, pelos sujos, pelos feios, pelos sem honra, pelos errados. Eles é que estavam certos. Tudo estava sendo feito em nome de deus. E a fé era capaz de tudo. Se você não conseguisse fazer alguma é porque não teve fé suficiente. Se é uma criança pobre que já nasceu com problemas criados durante a gravidez talvez de uma mãe que tinha vários problemas também, filha de outros pobres que não puderam dar a atenção devida durante a infância. É claro que se esta criança chegasse aos trinta anos, também com problemas, nunca conseguiria comprar um carro. Nunca conseguiu terminar a faculdade. Nunca conseguiu emprego de executivo, nunca foi empresário, nem nunca foi o comedor do bairro, nunca teve casa própria, nunca foi o tal, enfim, o problema na explicação de muitos crentes é que este cara não teve fé suficiente.
Ele tem que ler a bíblia, ele tem que ir a igreja, aceitar as suas condições e agradecer a deus por estar vivo e saber que tinha tudo que merecia. O problema era a falta de fé. Aliás, falta de rezar. Não, não. Fale orar. Crente não reza. Crente ora. E crente que é crente mesmo tem tudo. Assim que se fala entre os crentes.
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